STF: exportações indiretas também devem ter imunidade tributária

Plenário declarou inconstitucional IN da Receita que previa contribuição do Funrural em exportações via trading

 Por unanimidade, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (12/2) que a imunidade tributária garantida às exportações, por previsão constitucional, também abrange as exportações indiretas, realizadas por meio de trading companies.

Foi fixada a seguinte tese: “A norma imunizante contida no inciso 1 do parágrafo 2º do artigo 149 da Constituição alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação negocial de sociedade exportadora intermediária”

O resultado do julgamento, que configurou uma derrota para a União, beneficia especialmente o setor agroindustrial, já que os processos analisados tratam da necessidade de pagamento do Funrural, contribuição que incide sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.

Os ministros declararam inconstitucional o artigo 170, parágrafos 1º e 2º da Instrução Normativa 971/2009, por meio da qual a Receita Federal prevê a cobrança do Funrural em casos de exportações indiretas. O entendimento do tribunal foi que a norma é contrária ao artigo 149 da Constituição, que garante a não incidência de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as receitas decorrentes de exportação.

O tema foi discutido no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4.735, de relatoria do ministro Edson Fachin, e do recurso extraordinário (RE) 759.244, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Os processos discutiam se a imunidade garantida às exportações abrange também as exportações indiretas, realizadas por meio de trading companies. Os processos julgados nesta quarta-feira começaram a ser analisados na semana passada, quando foram realizadas as sustentações orais — falaram os autores, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e amici curiae.

Anteriormente, os processos já haviam passado pelo plenário virtual e, na ocasião, os ministros relatores Edson Fachin e Alexandre de Moraes se posicionaram pela não incidência do Funrural. Com a passagem dos casos ao plenário físico, entretanto, os magistrados decidiram reiniciar os casos. Os dois relatores repetiram o entendimento, votando a favor dos contribuintes.

Em seu voto, Moraes defendeu que a Constituição, ao prever a imunidade a produtos destinados à exportação, teve a finalidade de tornar competitivo o produto nacional no exterior – não diferenciando a exportação direta e indireta. “Não seria razoável dar tratamento diferenciado a dois grupos cuja cadeia produtiva e cuja existência têm uma só finalidade: a exportação. Um grupo consegue controla todas as etapas da cadeia produtiva, mas outro não consegue. Porém, ambos se organizam para a mesma finalidade: a exportação”, falou.

“Não se trata de dar uma interpretação mais ampla para alargar a regra de imunidade para casos não previstos. A ratio do artigo 149 [da Constituição] é a proteção do produto nacional no exterior. Por que beneficiar os grandes produtores em detrimento dos pequenos produtores? Ao meu ver, feriria a livre concorrência. A ideia da Constituição foi permitir um verdadeiro favorecimento, porque a imunidade nada mais é que um favorecimento de quem vai exportar. Com isso, lucra o país externamente, com o equilíbrio da balança comercial, e internamente com a geração de renda e emprego”, disse Moraes.

O relator da ADI, Edson Fachin, também votou no mesmo sentido, julgando procedente a ação e declarando a inconstitucionalidade da diferenciação feita pela Receita Federal em relação a quem exporta de forma indireta. O ministro disse que, na controvérsia presente, “não há como entender a interação mercadológica entre agroindústria e sociedade exportadora como uma caracterização de uma compra e venda pura em mercado interno seguida de outra autônoma e de índole internacional titularizada pela exportadora e agente econômico domiciliado alhures. Isso porque o terceiro intermediador não tem como objeto social a produção para exportação ou a representação comercial internacional da pessoa jurídica agricultora”.

“Logo, ao restringir a aplicabilidade da norma contida no art. 149, §2º, I, da Constituição da República, retirando as exportações indiretas efetuadas pelas pessoas jurídicas comerciantes do setor agropecuário do alcance da desoneração, o poder público atentou contra a finalidade da competência negativa constitucionalmente prevista, reduzindo a eficácia do comando normativo”, concluiu.

Tanto o voto de Moraes quanto o de Fachin foram acompanhados por todos os ministros presentes. Estava ausente o decano Celso de Mello. O ministro Luís Roberto Barroso não participou do julgamento por se declarar impedido.

Sustentações orais

No dia 6 de fevereiro, ao defender na tribuna a possibilidade de cobrança do Funrural, o procurador Paulo Mendes de Oliveira, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), afirmou que atender ao pedido da agroindústria significaria, na prática, a extensão da imunidade a atos internos do agronegócio. Isso porque a operação entre os produtores e as tradings não envolvem partes fora do país. “A imunidade é específica para o ato de exportação, não alcançando atos praticados na cadeia de produção”, afirmou o procurador durante sustentação oral.

Oliveira ainda defendeu que o artigo 149 da Constituição define que apenas as exportações são imunes. “O ato realizado entre a agroindústria e a trading não é um ato de exportação”, disse.

Já o advogado Fábio Calcini, que representa a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), defendeu durante sustentação oral que a operação envolvendo uma trading não pode ser considerada uma operação interna. Isso porque a trading não pode, por exemplo, decidir se vai exportar a mercadoria ou não. “Não se trata de ato de venda interna. Há uma diferenciação entre venda interna e venda com fim de exportação”, afirmou.

Também durante sustentação oral o advogado da associação que propôs a ADI, a Associação do Comércio Exterior Do Brasil (AEB), lembrou que a imunidade tributária nas exportações evita a bitributação de mercadorias, já que os países, via de regra, cobram tributos nas importações. O advogado Waldemar Decache salientou que uma decisão desfavorável pelo Supremo criaria uma disparidade entre pequenos e grandes produtores, já que os primeiros têm dificuldade de exportar diretamente.

Para exemplificar a situação, o advogado da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Eduardo Lourenço, afirmou que a entidade representa 240 mil produtores de soja. Do total, 95% são pequenos e médios, que não conseguem exportar diretamente.

De acordo com dados do Ministério da Economia, em 2019 o produto mais exportado pelo Brasil foi a soja, responsável por 12% das exportações do período entre janeiro e dezembro. Em seguida vem o petróleo e o minério de ferro, seguidos pelo milho em grãos.

Fonte: JOTA

12/02/2020

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