Câmara Superior do Carf não aplica decisão do STF sobre Zona Franca de Manaus

Mesmo após publicação do acórdão conselheiros afastaram decisão do STF pelo voto de qualidade

 A 3ª Turma do Câmara Superior do Carf não aplicou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussão geral, que permite o creditamento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de insumos, matérias-primas e embalagens da Zona Franca de Manaus. Esse foi o primeiro julgamento sobre o tema na última instância do tribunal após a publicação do acórdão do caso pelo Supremo.

A decisão dos conselheiros foi proferida por voto de qualidade nesta quinta-feira (17/10), após análise do processo 10480.723970/2010-65. Trata-se de um recurso especial da Primo Shincariol Indústria de Cerveja e Refrigerante contra a Fazenda Nacional. O relator do caso, o conselheiro representante dos contribuintes Demes Brito, citou a decisão do STF sobre a Zona Franca de Manaus para dar ganho de causa à contribuinte.

A decisão do STF citada pelo conselheiro foi proferida no dia 25 de abril de 2019 e publicada no dia 20 de setembro. O Recurso Extraordinário 592.891, proposto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), foi negado e teve repercussão geral conhecida.

O caso em debate no Carf nesta quinta-feira discutia o recurso da contribuinte, que foi autuada por comercializar bens de produção sem destacar o IPI nas notas fiscais de saída. O período de apuração foi entre junho de 2008 e maio de 2009.

O conselheiro da Fazenda Luiz Eduardo de Oliveira Santos fez um breve comentário para iniciar a discussão central do caso. “Diga-se de passagem, ainda não há trânsito em julgado”, afirmou em referência ao acórdão do STF.

A mesma argumentação foi utilizada pelos outros conselheiros da Fazenda durante a votação. O conselheiro Andrada Márcio Canuto Natal manteve o posicionamento contra o entendimento do STF. “Abro divergência e nego provimento pela falta de trânsito em julgado”, diz.

O conselheiro Jorge Olmiro Lock Freire, também da Fazenda, fez a mesma análise. “Está publicado, mas não transitado em julgado”. Por outro lado, a argumentação dos representantes dos contribuintes foi em defesa do entendimento do STF.

A conselheira Tatiana Midori Migiyama citou em seu voto o artigo 987 do novo Código de Processo Civil (CPC), que estabelece que “apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito”.

“Esse [artigo do CPC] é mais um embasamento. O embargo de declaração não poderia mudar a tese já fixada pelo STF”, afirma. No Supremo, por meio de embargos de declaração, a PGFN acusa o STF de omissões e obscuridades na decisão sobre a Zona Franca de Manaus.

Mesmo com a argumentação da conselheira, o voto de qualidade prevaleceu e o recurso da contribuinte foi negado.

Análise

Segundo Breno Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, se o órgão máximo do Judiciário já decidiu sobre a tese, ainda que esta não tenha transitado em julgado, seria “mais conveniente” que o o tribunal administrativo adiasse o processo ou aplicasse a tese fixada pelo STF.

“Adotar outra postura, como, por exemplo, julgar de modo contrário à tese, cria o ônus à própria União de inscrever em dívida um crédito tributário sabidamente indevido, correndo o risco de, caso ajuizada execução fiscal, ser condenada a pagar honorários de sucumbência, conforme artigo 85 do CPC”, diz.

Ele cita a RcL 30003 Agr, cujo relator, ministro Roberto Barroso, afirma que “as decisões proferidas por esta Corte são de observância imediata. Portanto, não é necessário aguardar o trânsito em julgado do acórdão paradigma para aplicação da sistemática da repercussão geral”.

Na opinião do tributarista Allan Fallet, do Amaral Veiga Advogados, a decisão do STF foi julgada sob a sistemática da repercussão geral, ou seja, “resta claro que deve produzir efeitos em todos os outros processos em andamento, independentemente da esfera ou instância”, afirma.

Para ele, o posicionamento do Carf no caso em debate aumenta a insegurança jurídica quanto ao tema. “Com essa decisão por voto de qualidade, como ficaria o contribuinte no caso de o STF manter o seu posicionamento quando do julgamento dos embargos [da PGFN]?”, questiona.

Segundo o advogado, há um desrespeito ao princípio da segurança jurídica, pois há o estabelecimento de um “novo ônus tributário aos contribuintes sem que sejam respeitadas as diretrizes jurisprudenciais”, afirma.

Histórico

Nas câmaras baixas o assunto já foi tratado anteriormente. O Carf , até o momento, está dividido sobre o tema. O primeiro processo julgado após a publicação do acórdão foi analisado no dia 25 de setembro pela 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, que aplicou o mesmo entendimento do STF. O processo envolvia a Norsa, fabricante de Coca-Cola. Outro caso, dessa vez da Ambev, também seguiu o entendimento do STF.

A Ambev, entretanto, perdeu um processo na 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, também em setembro. Por unanimidade, os conselheiros consideraram que a decisão do STF ainda não é definitiva por não transitar em julgado.

Em agosto, antes da publicação da decisão do STF, a 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção adiou processos da Spal e da Ambev até o trânsito em julgado da ação na corte constitucional.

Fonte: Jota

18/10/2019

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